"Africa nos manuais escolares portugueses" 2000
Contexto do Encontro - Os estágios e a formação de professores.
- Estão presentes estagiários a quem desjo as maiores felicidades
- Saliento a importância da leitura atenta dos programas e da tentativa de visão global do programa
- Sem esta leitura, não há didáctica que resista.
- Queria salientar a importância formativa da História - disciplina insubstituível para a construção de uma nova visão de certas realidades - como é o caso de África.
Começando por referenciar as temáticas africanas, de forma muito sumária, verificamos que elas estão presentes, com intensidade variável, ao longo dos diversos anos de escolaridade:
5º e 6º anos História e Geografia de Portugal
No extenso programa dos 5º e 6º anos de História e Geografia de Portugal, África aparece no quadro do tema “Portugal nos séculos XV e XVI”. É tratada conjuntamente coma Ásia e América, devendo ser levantados os recursos naturais e as actividades económicas, a diversidade étnica e cultural das populações e ainda os colonos, mercadores e missionários. São abordados ainda conceitos como “colonização” e “etnia”.
Se o objectivo consiste em que os alunos “reconheçam diferenças nos modos de vida dos povos contactados pelos portugueses” e “desenvolvam atitudes de respeito para com povos de culturas diferentes”, a realidade é que o tema é tratado num quadro muito mais vasto e depende em larga medida do professor a capacidade de sensibilização dos educandos.
No tema “Portugal no século XVIII” é focado o “império colonial português nesse século”, “os movimentos da população” e o “tráfico de escravos”. Mais uma vez se espera que os discentes “desenvolvam atitudes de respeito para com povos de culturas diferentes”.
“A guerra colonial” integra o tema “Os anos da Ditadura” e constitui um curto bloco alinhado a par do Estado Novo. “A independência das colónias” integra o tema “O 25 de Abril e a Construção da Democracia”.
7º ano
No 7º ano de escolaridade aparecem algumas referências a África no tema 1. Das Sociedades Recolectoras às Primeiras Civilizações focando a passagem das primeiras para as segundas e analisando-se os processos de transição do nomadismo à sedentarização.
8º ano
No oitavo ano, África está integrada no tema 5. Expansão e mudança nos séculos XV e XVI, tratado nos conteúdos A abertura ao mundo e em Os portugueses e a África Negra. São abordados os conceitos de colonização, Império colonial, Tráfico de escravos, Aculturação.
9º ano
No 9º ano e com o tema 9. A Europa e o Mundo no limiar do século XX África regressa atrvés do conteúdo Hegemonia e declínio da influência europeia que trata conjuntamente de Imperialismo e colonialismo: a partilha do mundo, desdobrando-se nos conteúdos As exigências do crescimento industrial e a corrida às áreas de influência e de Os impérios coloniais europeus nos finais do século XIX. São retomados conceitos como Colonialismo e Racismo.
Mais tarde, no tema 10. Da grande depressão à segunda guerra mundial, no conteúdo Entre a ditadura e a democracia o colonialismo é tratado a par do corporativismo no quadro da edificação do Estado Novo. Finalmente, no tema 11. Do segundo após-guerra aos anos oitenta e no conteúdo O mundo saído da guerra é tratada A recusa da dominação europeia: os primeiros movimentos de independência. E em Portugal: do autoritarismo à democracia tratam-se Os movimentos de independência e a guerra colonial bem como a Independência das colónias e retorno de nacionais ligado ao Portugal Democrático.
10º ano
No 10º ano de escolaridade, África volta a surgir no contexto do tema 4. O Império português dispersão e heterogeneidade dos estabelecimentos coloniais: diáspora portuguesa. Neste bloco foca-se a rede de feitorias e fortalezas e o domínio português do Atlântico. No âmbito dos contactos entre povos e culturas é assinalada a superficialidade de contactos culturais com os povos da África Negra e o incremento progressivo do tráfico de escravos.
11º ano
No 11º ano e no âmbito do tema 6. A Dinâmica das economias-mundo nos séculos XVII e XIII: de Amesterdão a Londres, África, apenas é referida na sua condição de ultra-periferia constuindo o território em que se demandam matérias-primas.
Mais tarde, reaparece no contexto das rivalidades imperiais do século XIX, justificando-se a prtilha do continente africano pelos interesses europeus em confronto. Sem sequer fazer menção a que um dos elementos geradores da actual instabilidade africana repousa nesta divisão geométrica realizada pelos colonizadores sem consideração alguma pelas culturas e "nações" existentes - algumas com raízes milenares - existentes nesses locais.
12º ano
Finalmente, no 12º ano focam-se os movimentos nacionalistas: as forças anticoloniais das metrópoles e as vanguardas locais; as etapas e modalidades da descolonização e as conferências terceiro-mundistas e o não alinhamento. Ainda os bastiões brancos na África austral e a política ultramarina portuguesa e a guerra colonial.
Finalmente integrado no tema A queda dos últimos regimes autoritários na Europa Ocidental foca-se o impacto da descolonização portuguesa na África austral como consequência da instauração da democracia em Portugal.
Na análise do tema “África” constante dos programas de ensino e objecto de tratamento nos manuais escolares, para além de referência pontuais numa ou outra unidade didáctica, destaca-se o aparecimento de alguns grandes blocos, a saber:
primeiro - África no quadro da expansão portuguesa;
segundo - A corrida a África e os impérios coloniais;
terceiro - As guerras coloniais.
Os manuais escolares desenvolvem as varias temáticas através do recurso a texto expositivo; textos para exploração, gravuras, cronologias, mapas, etc.. Estes são aspectos em análise sempre que o grupo disciplinar de História opta por determinado livro a adoptar.
Trabalhando profissionalmente, há já muitos anos, com os manuais escolares entendemos como inegável a sua importância e o seu valor enquanto instrumento de trabalho.
Também é justo referir que ao longo deste quarto de século temos assistido a uma clara melhoria da qualidade dos manuais escolares a todos os níveis, desde a apresentação gráfica aos conteúdos seleccionados, passando por textos, mapas, fotografias e gravuras. Factos reforçados pela quantidade e diversidade de opções colocadas no mercado.
Apesar disto existem, em nosso entender, algumas omissões que exigem do profissional actualizado a adopção de cuidados redobrados.
Nomeadamente aquilo que me leva a esta intervenção - África nos manuais escolares.Aproveitamos este Encontro para apresentar alguns breves tópicos que nos parecem constituir motivo de reflexão:
1. O espaço
Geografia (acetatos com mapas de África que costumam ser mostrados).
Um problema que desde logo se põe quando falamos de “África” nos manuais escolares é o da percepção do espaço. A imensidão do continente africano é uma realidade que se transmite aos alunos com alguma dificuldade. Trata-se mesmo de um aspecto que, para muitos de nós é de difícil apreensão.
Este facto ressalta a importância do que chamamos “exercícios com o espaço”. Por exemplo através do uso de mapas à escala para permitir aos alunos uma relativização do espaço. No caso dos nossos alunos, a título exemplificativo, pode ser usado um recorte de Portugal ou do arquipélago, sobre um mapa, proporcional, de África. Um exercício tão simples quanto este permite uma melhor percepção da relatividade dos espaços em presença.
Muitos manuais apresentam mapas muito parciais de África, isolando uma ou outra região do seu contexto e não permitindo a compreensão clara da extensão africana.
África representa ainda uma outra realidade - climas diferentes, ritmos distintos, outros mundos. Sem a consideração destes aspectos é difícil compreender a natureza das tentativas de marcar presença próprias dos portugueses.
Esta percepção do espaço varia, quanto às dificuldades que coloca em função do nível etário dos alunos mas o recurso, único e exclusivo, aos mapas constantes do manual é insuficiente.
2. O peso de África na história portuguesa.
Em períodos cruciais da história nacional, e nomeadamente em períodos não muito longínquos, África revela uma influência mais ou menos directa e surpreendentemente poderosa sobre a história interna nacional (ainda recentemente disso tivemos provas com algumas declarações envolvendo políticos angolanos e portugueses e correspondentes repercussões internas em Portugal).
Este aspecto, uma espécie de permanência não pode ser compreendido, na sua actualidade e no esboço de um relacionamento futuro, sem uma interiorização das vicissitudes que rodearam o relacionamento entre europeus e africanos e, em particular, entre os portugueses e o conjunto de territórios em que a presença portuguesa se verificou com maior ou menor intensidade.
Às referencias programáticas, já de si, muitas vezes excessivamente curtas, correspondem os manuais escolares com informações muito sintéticas e esquemáticas que, a maior parte das vezes, dificilmente podem suscitar uma verdadeira reflexão.
Em suma, as informações esquemáticas que enformam os manuais escolares resultam demasiado superficiais e algo abstractas e não permitem, muitas vezes, a conveniente interiorização da verdadeira influência/participação de África na nossa própria identidade. África é um interveniente um pouco esquecido da nossa História.
Nas visões que nos surgem quanto a África aparecem, frequentemente as consequências do que foi um contacto estreito - desse peso da História mais recente. Assim, ora nos apresentam visões marcadamente influenciadas por ideias próprias de um passado colonial e marcadas por toda uma ideologia correspondente; ora assistimos, por outro lado, a autênticas vagas de remorso e auto-flagelação. Mas o importante, nos nossos dias, é encontrar o caminho de uma libertação responsável do peso do passado. Encontrar este caminho é uma das formas eficazes de cumprir aquele que é um dos objectivos primeiros de todos os programas de História - fomentar nos alunos a consciência da cidadania. Trata-se de construir o presente éntre países soberanos com um passado histórico comum.
3. A necessidade de reavaliar a presença portuguesa.
Existe neste momento uma renovação historiográfica quanto a África (por exemplo na obra de Isabel Castro Henriques, com destaque, entre outros trabalhos, para o seu livro Percursos da modernidade em Angola e em especial para a sua Introdução em que se faz o ponto da situação sobre a visão dos africanos em Portugal). Num momento em que a historiografia vem reavaliando a presença portuguesa em África é necessário que o uso do manual contemple, de igual modo, uma reavaliação das caracteríticas dessa presença. Em muitos locais de África a colonização portuguesa foi, durante muito tempo e até muito tarde, meramente pontual. As características próprias de Portugal, a sua demografia, os seus meios, impuseram a busca de soluções que permitissem uma presença ao longo de regiões vastas e difíceis. A grandeza de África impôs, por isso mesmo, uma capacidade especial de relacionamento, um conhecimento das populações (interesse de que já João de Barros dá prova nas suas Décadas da Ásia). Minimizando África minimizamo-nos a nós próprios. Esquecendo-a, esquecemos uma parte de nós.
Se a leitura dos manuais é de alguma maneira, e dificilmente poderia ser de outro modo, um pouco eurocêntrica existe a necessidade de promover continuamente o conhecimento e a problematização.
A minha experiência de docência em Moçambique permitiu-me encarar com os alunos e colegas a necessidade de muitas vezes questionar realidades e conceitos que usualmente parecem aquiridos sem a menor dúvida. Por exemplo o conceito de “descobrimento” e “descoberta” que para os moçambicanos não é encarado da mesma forma como o entendemos em Portugal. Os manuais moçambicanos reflectem essa outra visão.
(MOSTRAR MANUAIS MOÇAMBICANOS)
Nas nossas salas de aula, não basta a enumeração, pura e simples, de uma série de conceitos a apreender. É necessário e desejável que cada conceito seja o resultado de uma construção possibilitada pelo recurso aos materiais constantes do manual (textos, gravuras, entre outros) e ainda mercê do recurso a outros materiais de apoio ao ensino de que o docente pode dispôr ou criar.
Aqui não quereriamos deixar de referir as potencialidades do computador e da Internet que, não constituindo panaceia milagrosa para o ensino das temáticas africanas - como de resto não constituem, por si sós, para o estudo de qualquer outra temática - possibilitam, apesar de tudo, o acesso a muitos materiais informativos e iconográficos para os países africanos, nomeadamente para as antigas colónias portuguesas.
Salientemos o facto de alguns manuais escolares serem hoje vendidos com acompanhamento de disquettes para uso de professores e alunos - ainda que de valor e utilidade desigual.
4. A ideia de injustiça.
Nos manuais escolares procede-se frequentemente ao que podemos chamar a “teorização da injustiça”. Aspectos como colonialismo, escravatura, violência colonial são apresentados, referenciados ou descritos, muito justamente, com toda a carga negativa que lhes está subjacente.
A consciencialização das consequências negativas que a dominação colonial produziu em África constitui um dos aspectos fundamentais tendo em vista a criação de gerações de jovens mais esclarecidos e dispostos a evitar aspectos nefastos que o passado nos mostra. Mas não basta instituir uma teorização da injustiça. É necessário, sobretudo, acentuar através da prática/da experiência simulada - especialmente no ensino básico a partir do concreto (por exemplo através de exercícios de grupo, dramatizando e assumindo as posições respectivas de colonizados/colonizadores; o aluno, ao assumir cada um destes papéis experimenta de forma mais eficaz as dificuldades e resistências do Outro).
Os movimentos contemporâneos de xenofobia evidenciam a necessidade de uma educação para o conhecimento e combate ao racismo, descriminação e escravatura, nas suas diversas formas.
5. As ideias de dominação colonial e imperialismo.
A apreensão da ideia de dominação colonial e imperialismo não se faz unicamente - como é opção de muitos manuais - pelo simples inventário e enumeração de países colonizadores e regiões colonizadas, acrescidos de alguns dados económicos. A importância do factor humano e das raízes e relações entre colonizadores/colonizados é um aspecto fundamental para a compreensão das relações criadas entre uns e outros. Uma relação complexa e multifacetada.
Já na análise ao Terceiro Mundo e seus problemas arruma-se numa alusão de uma ou duas frases o problema do neocolonialismo não desbravando sequer a sua especificidade nos territórios africanos e, em particular, nos antigos territórios de influência portuguesa.
6. A presença africana no nosso País.
O tema de África é tanto mais importante quanto é cada vez mais evidente a presença africana em Portugal. Essa presença manifesta-se através de uma pluralidade de aspectos. Desde logo humana ela comporta contribuições africanas, de africanos, nos campos alimentar, artesanal, documental, na música, na própria toponímia.
O elemento africano em Portugal é, desde há séculos, muito importante. Tal é o caso de Tomar que no século XVI tem uma comunidade negra tão numerosa que justifica a criação de uma Confraria de Nossa Senhora do Rosário, invocação que é sempre dos pretos. Estes negros escravos do Convento de uma cidade interior e rural como Tomar diluem-se no conjunto da população, miscigenando-se. Mesmo neste caso, a história regional mostra-nos que a presença dos africanos no nosso País tem um percurso histórico que nem sempre se tenta clarificar ou valorizar.
Aqui se lembra que de entre os nossos alunos, um pouco por todo o lado e em maior ou menor grau, encontramos jovens portugueses com origens africanas; e reconhecemos africanos que, ao longo do tempo, se fundiram na população portuguesa (especialmente pelo cruzamento com as camadas mais baixas, como assinala José Ramos Tinhorão no seu livros Os Negros em Portugal, uma presença silenciosa.) Actualmente, a toponímia deixa transparecer, ainda que ao de leve, essa presença preta, mulata, mestiça.
7. Aconsideração da história africana.
Contrariamente ao que por vezes é transmitido, os africanos têm uma história própria, sem o contacto com o mundo europeu ou apesar dele. Uma história nada homogénea, bastante rica e articulada com a Ásia. Nessa história figuram, com as suas especificidades, as instituições, o comércio, a cultura, e uma economia próspera, entre outros aspectos.
África tem uma intensa história política, uma panóplia de movimentações humanas, de conflitos característicos de uma dinâmica própria. Essa dinâmica não merece nos livros escolares de História, a maior parte das vezes, uma única menção.
Nos manuais existe uma tendência clara para reduzir África e os africanos a meros sujeitos passivos no contacto/confronto com os europeus, espécie de tábua-rasa apta a receber as marcas impressas por estes. Mesmo religiões como o islamismo e o cristianismo de génese extra-africana e carácter universalista ganham, neste continente, novos contornos, inovadoras formas culturais como o animismo e todo o conjunto de crenças e costumes bantus, variáveis consoante a região abordada, aliás à semelhança do que acontece com qualquer outra actividade oriunda do exterior.
(MOSTRAR ACETATOS DE MANUAIS PORTUGUESES)
8. Nós e os outros.
O ser humano enriquece-se com a pluralidade e visões diferentes do Mundo e estas representam um contributo inestimável para o conhecimento da realidade. Tal se passa com os próprios historiadores. Por exemplo no caso de Moçambique, é frequente que os historiadores portugueses recorram a termos como presença e contacto; enquanto que os moçambicanos acentuam o colonialismo e a resistência; e estrangeiros (como Newitt, Illife, Perrier entre outros) prefiram para qualificar os portugueses epítetos como exploradores ou fracos. Tratam-se de visões diferentes mas, muitas vezes, complementares.
A África a que se referem os manuais é, normalmente, a nossa África. São os PALOPs. Mas, ainda falta um continente por descobrir... Não pretendemos propriamente, propor que se complete esta tarefa mas, ainda assim, importa transmitir esta ideia.
9. A ideia de África.
A ideia que nos é dada de África é normalmente estereotipada. A África que é apresentada nos manuais é quase sempre - pouco civilizada, monolítica, pobre. Fica ainda reservada a omissão ou uma espécie de estatuto de exterioridade ao norte de África (que nos chegou a vencer), ou mesmo ao Egipto como se fossem regiões estranhas ao continente africano.
Contudo, a África dos Descobrimentos Portugueses não é apenas recolecção, primitivismo; é também comércio, contacto, religião, luta, mineração, navegação, etc.. A grande diferença é essencialmente do domínio da tecnologia, particularmente da tecnologia bélica. África é, por isso mesmo, um continente dominado mas não conformado.
A propalada atracção de África será mesmo, como a pretendem tantas vezes resumir, a aventura? Qual o lugar nessa atracção do prazer, da liberdade e mesmo da riqueza?
Outra ideia que por vezes se insinua é a de que África só recebeu, "não nos dá nada". Esquecendo-se os seus contributos em domínios diversos - hábitos de higiene, música, estética, flora e fauna, práticas alimentares.
O problema reside na ausência de reciprocidade. A valorização do continente africano não equivale - como por vezes se julga - a denegrir a nossa história, mas antes a valorizá-la.
Finalmente, África aparece tipicamente representada, nos nossos dias, com a força dos media e especialmente da televisão, como a trilogia da morte - “fomes, pestes, guerra”. Esquece-se, muito frequentemente, tudo o que pode ser valorizado.
11. O exemplo das línguas.
Se no domínio da língua os manuais acentuam frequentemente a existência de palavras do Oriente que passam a integrar o vocabulário português, muito raramente isso é feito com vocábulos oriundos de África.
Mas também é verdadeiro o caso inverso de palavras portuguesas que são integradas em línguas locais de diversas regiões africanas em que se estabeleceu o contacto com os portugueses.
Além do mais, também do ponto de vista linguístico África representa diversidade e riqueza. Uma realidade ainda hoje, infelizmente, ignorada.
12. Um Tratamento desigual.
Do ponto de vista dos manuais escolares África representa, essencialmente, expansão. Aqui, o continente africano é zona intermédia a caminho do Oriente - o grande objectivo final. Os contactos sumários com os africanos e a experiência neles recolhida pelos europeus merece apenas breves referências. A relevância que é dada à expansão contrasta com a guerra colonial que não merece idêntico destaque.
No entanto é essencial que seja feita a ligação entre estes dois aspectos para que os nossos alunos entendam melhor o nosso passado recente alertando também para o paralelismo do processo, ainda que de forma diferente, com os outros povos colonizadores. Estabelecendo analogias com a própria dominação espanhola do território português.
13. África é um assunto em aberto.
Por outro lado, é errado pensar que o assunto África está encerrado. Como se não bastásse, temos no nosso país muitos cidadãos africanos; temos, por outro lado, muitos cidadãos portugueses em África. A globalização impõe, cada vez mais, este assunto na Europa.
14. História, cidadania e manuais escolares.
O conceito de cidadania é hoje muito mais complexo e não apenas um mundo a “preto e branco” do Estado Novo. Hoje é um universo heterogéneo dotado de novos valores.
Não pretendendo esquecer a necessidade de cumprir os programas, e sabendo da necessidade que o docente tem de considerar a realização de exames pelos seus alunos não podemos enjeitar as possibilidades de melhorar os conteúdos programáticos e de considerar os manuais escolares como preciosos auxiliares no processo de ensino (e por isso mesmo objecto de cuidadosa e criteriosa recolha nos momentos adequados) não esquecendo ainda, contudo, que a linguagem neles utilizada não é, obviamente, absolutamente neutral e que existem possibilidades de os melhorar e complementar sempre que necessário.
Os materiais extra-manual (casos do recurso ao vídeo que nos parece essencial para o tópico “África”, da gravura, da música, da imprensa ou das memórias da guerra colonial recolhidas junto das famílias dos alunos) devem proporcionar um equilíbrio ponderado, que melhore certos aspectos que o manual não trate de forma eficaz ou corrija algumas pequenas lacunas que nos parecem mais comuns nos livros escolares de História quando tratam de temáticas africanas, por exemplo: serem, por vezes, demasiado sintéticos e esquemáticos; outras vezes, omissos; ou ainda estimulando pouco a reflexão (como me parece exemplar no caso do conteúdo “guerras coloniais” e, finalmente, correndo o risco de abordar demasiado superficialmente certos temas fundantes para a compreensão do percurso histórico português.
15. Finalmente, e se não existissem já razões importantes para o estudo de África, terminamos com a consideração, aparentemente consensual e para a qual se vêm encontrando provas de que: O Homem, veio de África, é africano. Só nos resta honrar a nossa própria origem.